17 de novembro de 2013

Estranha Odisséia das Palavras


Tinha uma máquina de escrever, porém nunca sabia bem o que fazer com ela, então simplesmente a deixava descansar sobre a prateleira. Quando a vida lá fora parara de fazer total sentido a ponto de paralisar seu próprio pensamento, sua capacidade de transformar tudo que via em poesia?

Seu grande sonho sempre tinha sido escrever. Adorava a forma como tudo aos seus olhos fugia do normal de todo mundo. A forma como as coisas adquiriam cores e sentimentos quando ela as analisava de longe, despretensiosamente, andando devagar pelos caminhos que normalmente fazia. Sempre os mesmos, sempre diferentes.

Há tanto tempo que as palavras que tão facilmente vinham à sua cabeça tinham fugido do lar. Tudo que restava agora eram móveis empoeirados e lençóis amarrotados, denunciando uma antiga presença já tão ausente quanto o conto de fadas que costumava desenhar em cada pegada que deixava para trás. Tudo estava tão borrado agora. A chuva tinha apagado todos os seus rastros e temia que as palavras não soubessem mais onde procurar caso quisessem retornar na próxima temporada. Aquela onde o sol entrava pela janela e dava novas cores às persianas, de repente, tão gastas.

A luz do seu abajur agora piscava, indecisa, oscilante. Fechar os olhos não era mais tão relaxante quanto havia sido alguns meses atrás. O travesseiro, tão acostumado a moldar-se a seus humores, perdera a habilidade de aconchegar sua mente agora tão pesada do nada que a preenchia. De repente, tudo se fora.

Se a sensação de perder fosse igualada as ventanias que já estava acostumada, teria conseguido manter-se de pé. Porém ela foi preenchida, ao mesmo tempo em que era esvaziada, de uma forma tão ávida e sagaz que mal pôde percebê-lo até que se viu com nada. Sim, o nada havia ficado para impedir que qualquer outra coisa ocupasse aquele espaço novamente.

Ninguém saberia, ninguém nunca tinha se dado ao trabalho de se preocupar, então ela treinou as únicas poucas palavras que lhe restaram para serem desperdiçadas com inúteis desculpas que de nada serviam e de tudo ajudavam. Era difícil ser questionada quando ninguém realmente estava interessado no vazio que tinha por dentro, mas apenas nas máscaras que tinha por fora. Todas escolhidas a dedo pelo melhor designer do desfile: a solidão.

Viu-se só, viu-se em queda livre. Quando voltou os olhos para si, parou de enxergar. Desnecessário procurar pelas palavras quando seus significados estavam todos ao seu redor, tão precisos quanto a ironia da gravidade que transformava a certeza do chão no anúncio da morte. E a morte estava tão perto agora que enquanto caía, nunca tivera se dado conta que de fato, ela existia.

Não precisava mais das palavras, pois seus odores estavam entranhados em sua pele como um pequeno perfume de adeus. Aquele que acompanha os cadáveres em decomposição, esperando sua hora de retornar para o próximo que, em sua própria queda, o procure, o encontre, mesmo que não o deseje.

As palavras não necessitam de permissão. Elas se vão, mas sempre voltam. Quando a última ventania sopra sua vida para fora, num último suspiro, a garota entendera, as palavras retornavam trazendo consigo sua redenção eterna. Uma revelação escondida, um último beijo. Aquele que por toda vida, tolamente esperara.

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