25 de novembro de 2013

Para Sempre


Ela jogou-se no ar, caindo suavemente sobre as pontas dos pés, rodopiando, curvando-se com tanta graça quanto lhe era possível. Era como se a música a envolvesse, a embalasse, a jogasse cada vez mais alto enquanto ela apenas saltava e saltava, como se seu corpo fosse mais leve que o ar.

Sorria, mesmo que as lágrimas teimassem em descer. Dançando, ela procurava se refugiar de tudo que a tornasse vulnerável o suficiente para se descuidar e lembrar. As lembranças, de repente, eram suas piores inimigas e como temporais, vinham e devastavam tudo que ela mais lutava em manter erguida: sua esperança.

As batidas de leve na porta fizeram-na acordar rapidamente de seu lapso e enxugar as poucas lágrimas que restaram com as costas das mãos. Abaixou o volume da música, tirou as sapatilhas e treinou mais um sorriso. “Estou bem”.

- Entre. – falou. – A porta está aberta.

- Sofia? – uma voz feminina chamava, enquanto fechava a porta atrás de si. – Sofia?

- Aqui.

- Deixaram isso na recepção, é para você.

- Quem deixou?

- Eu não vi. Tinha saído para ir ao banheiro e quando voltei, estava no balcão.

- Estranho. De qualquer forma, obrigada.

- Não pude deixar de assistir uma parte. Você estará perfeita no espetáculo. Vejo o quanto se esforça. Não precisa se preocupar tanto, tudo sairá impecavelmente bem.

- É para isso que eu me esforço.

- Desde que você separe um tempo para viver. – a moça sorriu, levantando-se e saindo. – Se precisar de mim, é só chamar. Fecharemos em meia hora.

- Eu tenho uma chave, não se preocupe.

- É claro que tem.

E a recepcionista saiu, deixando a bailarina sozinha com a caixa. Escrito em um bilhete colado com fita adesiva lia-se: “Sofia”. Ela balançou a caixa, sem conseguir identificar seu conteúdo, hesitava entre curiosidade e medo. Finalmente, pegou uma tesoura em uma gaveta e abriu o pacote.

Dentro, algumas folhas, uns desenhos, algumas cartas e fotos. Assim que reconheceu a pessoa ao seu lado em um lindo parque cheio de árvores cobertas de neve, chorou. O bilhete que vinha grudado na parte de cima da caixa caiu, revelando outra mensagem em seu verso: “Me desculpe. Para mim, não foi uma mentira. Eu amei você.”.

Os desenhos tinham sido feitos à mão, mostravam uma Sofia risonha, uma Sofia séria, uma Sofia dormindo em meio a várias almofadas. Havia um perfume, um que ela sempre usava, no canto. As cartas, ela lembrava-se delas, assim como as fotos. Foram em outra época, quando tudo ainda tinha o calor aconchegante do sol quando nasce.

Soluçava agora, com a ferida ainda não cicatrizada sangrando por dentro. Atrás de todas as cartas, estava uma lacrada. Era a mais recente, uma que ele nunca havia enviado. Devagar, ela a abriu:

Sofia,

Não sei bem como começar isso, não tenho muito jeito com as palavras, você sabe. Creio que esta será a última vez em que darei notícias minhas ou terei esperanças de receber suas, mesmo sabendo que não as mereço.

Não há muito que dizer, não há palavras que tenham o poder de mudar o passado e consertar todos os danos. Sei que será muito difícil conseguir seu perdão, mas eu quero poder dormir à noite sabendo que tentei.

Posso começar falando sobre seu perfume. Sim, enviei um frasco dele para você, apesar de não ter o mesmo cheiro de quando ele adere a sua pele depois de um dia inteiro. Quando você chegava em casa e me abraçava, a fragrância misturada ao seu próprio cheiro, tão suave, tão doce.

Posso também descrever o som da sua risada. Não qualquer risada, mas apenas aquelas que eu provocava. Era um dos melhores sons que eu podia escutar, tanto que sempre me esforçava mais e mais para obtê-la, pois soava como um prêmio para mim. Fazia-me esquecer dos problemas, de qualquer outra coisa senão estar ali ao seu lado.

O seu corpo, não havia cenário mais lindo do que vê-lo em movimento enquanto você dançava. Parecia tão leve, como se flutuasse. Quando eu a via, pensava no quão sortudo um homem como eu havia me tornado. Às vezes, fazia questão de espera-la dormir só para olhar sem parar seu rosto, seus quadris relaxados, alisar sua pele.

Não havia ser humano com humor, doçura, paciência e compreensão maiores que os seus, e era inacreditável a maneira com a qual você sabia passar por cima de qualquer mancada minha e acabar até me consolando no final!

Se eu fosse falar de todas as suas qualidades, essa carta nunca terminaria, mesmo sendo uma coisa clichê de se falar. Você era simplesmente além do que eu me achava capaz de conseguir e eu não tenho como descrever o que foi viver tudo que vivemos.

Sofia, eu sinto tanto. Eu estou chorando agora, inacreditavelmente, pois mesmo no fim, eu não chorei. Desperdicei você e enquanto tudo estava indo pelo ralo abaixo, eu apenas assisti e eu me arrependo tanto. Me arrependo de nunca ter te dito tudo que escrevi agora. De em todo o tempo que passamos juntos, nunca ter te dito que eu te amei. Nunca ter feito algo louco, algo vergonhoso, só para você saber que era amada.

Tudo acabou agora e eu sei que é tarde demais. Não voltarei e nem pedirei por isso por que eu sei que o melhor é que nós nos deixemos no passado. Mas se essa carta não pode mudar o jeito como fiz com que você se sentisse, eu espero que mude o jeito como você se lembrará de mim a partir de agora.

Eu me lembro que você me dizia que o ‘para sempre’ não existia e que isso só servia para machucar ainda mais. Que você tinha parado de criar expectativas há muito tempo em relação a qualquer coisa. Sofia, não jogue tudo isso que você é no lixo para se tornar como eu. Por favor, não se esvazie.

O ’para sempre’ pode não existir hoje, mas daqui em diante, quando você olhar para trás, para aquele tempo de nós dois, ainda estaremos juntos e felizes, para sempre.

Como se no seu coração não houvesse mais espaço para estas palavras, a bailarina segurou a carta junto ao peito com tanta força quanto pudesse ser capaz. Não precisaria lê-la novamente. Cada palavra estaria marcada em seu subconsciente a partir de agora.

Mais tarde, no outro dia, Sofia dançava para um público que assistia com admiração enquanto as lágrimas caíam de seu rosto e ela rodopiava pelo palco. Foi sua melhor dança, talvez a mais perfeita de sua carreira. Aquela na qual a bailarina finalmente deixou a dor libertar-se de seu corpo e transportá-la pelo ar. Afinal, descobriu ela, era somente disso que a dança se tratava.

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